segunda-feira, 26 de maio de 2008

Influências dos pudenda

Serão totalmente (se de todo) dissociáveis a dimensão social e a dimensão política da vida humana?


Tenho uma dimensão umbilical que diz que sim. Tenho uma dimensão cotovelística que diz que sim.

Mas a minha dimensão peniana nega tudo.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Ascensor

(Aqui se transcreve o referido conto. Embora haja quem tal o não considere.)



Lado A

“Era uma vez” – assim começam todos os contos dignos desse nome. Na triste narrativa aqui apresentada, não era uma vez. Eram muitas vezes, ou não tratasse a curta história da vida de um elevador, que tantos viu subir e tantos mais descer.

Chegado do trabalho, esbaforido após quatro lances de escada à entrada do condomínio (respeitando o cliché do engravatado transpirado, abrindo a gravata ansiosamente), um indivíduo entra no elevador do seu prédio e, assim que se assegura que não é visto, cheira-se em busca de odores denunciatórios, num deprimente espectáculo, felizmente privado. Bafeja para as palmas das mãos, dispostas em forma de concha, para se certificar que o seu hálito não fede a tabaco (não vá a namorada reclamar de novo). Tranquilizado, coça despudoradamente os testículos, penteia as sobrancelhas no espelho e eis que se abrem as portas do terceiro andar, suavemente, com um imperceptível ruído. Sem sequer olhar para trás, esta personagem segue para diante, de mão no bolso e assobio nos lábios.

Lado B

É de dentro para fora que se vê. No momento em que uma criança inicia a sua interacção com o mundo que a circunda, é de si para o mundo que sente. É assim o ser humano: para ele, o Todo é pouco mais que uma extensão de si próprio. Talvez por isso seja, de quando em quando, tão incómodo ser, existir. É tão massivo o mundo e tão pequeno o invólucro de que o Homem é feito. Como se pode transportá-lo, quiçá entre a derme e a epiderme, em células nervosas (uma aposta que nervosas), quem sabe se estas assim denominadas devido ao êxtase, à dimensão da sua responsabilidade, essa de sentir a existência e transportar o Universo. Porventura, nada disto é verdade, nada disto interessa.
A partir do exterior, tudo se afigura igual, fotográfico, estanque, taxativo. Já o oposto, graças a Deus (ousa-se atribuir-lhe a autoria da individualidade das impressões humanas) não se verifica. Cada ângulo de luz, cada hipotenusa, são claras extensões de odores e olhares. Basta que alguém se preste, por um momento, a perguntar-lhes “O que és, que assim passas?”.
Mas quem se dá ao trabalho?

Lado A

Algo súbito na travagem e perro na abertura, abre-se sésamo para mais um passageiro, uma jovem adolescente que, hesitante, entra. Tão enojada como enjoada de si e do seu perfume, aproveita os curtos segundos da viagem para com as duas mãos espremer excreções sebáceas que a sua cara vai libertando, numa expressão tão própria do crescimento do habitáculo estrangeiro a que chamam, os outros, corpo. O seu reduzido amor-próprio é claramente visível pela posição cabisbaixa da sua cabeça, pela inutilidade com que encara as mãos (tamanha a indecisão sobre o que fazer com elas, apêndices dispersos e incómodos). Limpando os dedos ao bolso das calças, espreguiça-se prolongadamente, (antes por mimalhice fosse, que o seu mal são as noites em branco) e deixa, por segundos, que a manga deslize, tornando-se evidentes os cortes no antebraço, desarrumados e feios.

Lado B

Preza-se tanto o movimento. Pfff. “Preza-se”. A acção é idolatrada. É de joelhos (em todas leituras que na expressão se possam vislumbrar) que se dispõem os malandros, os pensadores da dinâmica, esses activistas fanáticos. Provavelmente inexistentes, é certo, mas não menos desdenháveis por isso. O facto é que em qualquer banco de jardim há um velho pronto a clamar do seu etário pedestal que no seu tempo tudo era diferente, que os novos andam depressa de mais, que não mais se pára nunca.
Também quem lê quer movimento. Quantas vezes não foram saltadas, maltratadas e/ou ignoradas descrições, momentos de relaxamento da trama, espaços e tempos de reflexão, exposição, contextualização. Mas não, o que se quer é um contínuo espacio-temporal linear, sem solavancos e curvaturas. Porque é mais fácil.
É pena.
Se a cada paisagem se desse o devido cuidado, há tantos pormenores a descrever. Em cada vão de escada, as luzes, as plantas da dona Elvira, de vasos de plástico a imitar barro, gotas de ferrugem (a quem já se deixaram ver, fictícias e alaranjadas?), teias de aranha, reflexos de reflexos. Não se leria – admito-o. Mas que gozo teria para quem o escrevesse, a minúcia esforçada conduzindo, por via empredrada e sinuosa, para um final de que a priori se sabe estar incompleto. Que fulgor, que energia se pode dedicar a um vão de escada.
É mais difícil falar do estatismo. Que as nuvens passem, qual o problema? Mas qual a forma de cada nuvem, o matiz, o cheiro?

Lado A

Ao abrir das portas vêem-se dois jovens, de olhos inflamados e vermelhos (a suspeição da porteira acertada?) e mãos dadas. Entram, dificilmente ele, com as calças trinta centímetros abaixo do nível da água do mar, de modo mais fluido ela, ansiosa pelo momento a sós. Ao som de ferrugem, um raspar rude, rapidamente se fecha o elevador e, a uma velocidade próxima da do som, sobe a camisola da rapariga. Não tem nada por baixo, excepção feita a um pequeno brilho de metal no mamilo. Curiosamente ou não, o mesmo pode dizer-se sobre o jovem, cujo cinto de couro voou já para o outro lado do pequeno cubículo. Alheios aos espelhos, circundados por valores de temperatura perto da ebulição, não se esquece ele de pressionar no botão de parar (não buzina este, sorte dos dois), acidentalmente carrega ela com as costas, no frenético movimento, nos de todos os andares do prédio. Felizmente que está parado, felizmente que não há alarme. Não tomam precauções, ele por esquecimento, ela porque assentiu. Deixe-se cair uma cortina sobre o desrespeitoso evento, permitindo uma maior privacidade que a pelos jovens procurada neste acto púbico e público.

Lado B

Há algo de fascinante nos espelhos. - Que frase bacoca. - Ninguém reflecte sobre os espelhos. O acto de, olhando para a frente, ver atrás, é um plausível paradoxo demasiado familiar para ser notado. Mas mais curiosos que os espelhos isolados, são os espelhos em elevadores. Porque não se lembra algum louco – uma vez que tantos há, e tão prolíficos – de dissertar sobre esta espécie de reflectores que, quando assim posicionados, ocupando três das quatro paredes, têm a extraordinária e múltipla capacidade de nos desconfortar, se na presença de outros, de nos sublimar, se de matéria narcisista formos feitos e de nos prostrar por terra, se não suportarmos olhar nos olhos a raça de que somos feitos? Pense-se bem: afinal, que espécie de amálgama de plasma desconhecido é esse, que constitui os elevadores sem espelhos?

Lado A

De rompante, penetra uma mulher, bonita de aparência, embora algo de máscara nela seja sensível. Não admira porquê, uma vez que, mal dá por si sozinha, beija o objecto que retira de dentro da roupa interior: um anel, mais ofuscante ainda que o piercing da jovem. Ao que consta, não foram os seus trinta e oito anos de vida – qual a idade a que se cresce, dez, vinte, quarenta? – que a impediram de furtar da casa da pobre senhora, doente de bócio (um terrível espectáculo) onde pratica voluntariado três vezes por semana. Bem que o crescimento afecta a visão da idosa, ou não se safaria tão bem a ladra. As pagará. Ao sinal de paragem, abrem-se as portas, ficando presas algures a meio do seu caminho. Vê-se obrigada a afastá-las (“Elevador inútil!”), uma vez que o seu volumoso traseiro não é possuidor das condições necessárias para atravessar o curto espaço. Uma vez saída, de olhar orgulhoso e determinado, sorri para uma vizinha que passa, que felicita a boa samaritana.

Lado B

No tempo em que havia grades, de madeira as de dentro, de metal as de fora, cuidado com os dedos. No tempo em que havia uma porta por andar, e se podia tocar a parede em movimento – a dúvida entre de quem seria o movimento, das pessoas ou da parede, da parede quase de certeza –, cuidado com as costas e o nariz. No tempo em que as portas se tornaram deslizantes e automáticas – nem sempre muito deslizantes, nem sempre muito automáticas – cuidado com as mãos, os pés, as cinturas. Atenção à célula fotoeléctrica, atenção à porta, assassina de cotovelos.

Lado A

Por vezes, vêm falhas de energia, apagões. O casal que viaja emana um clima mais frio que o mês de Fevereiro que passa – mais depressa que os outros, como é, aliás, seu costume. Olham-se, distantes, como se as argolas que trazem nos dedos fossem uma brincadeira de mau gosto, um equívoco divino. De repente, eis que é chegada a quebra, que congela o tempo e o espaço, e eis que se foi toda a electricidade, reina o breu e antes reinasse o silêncio, que ruído é coisa que por estes lados sobeja. Atiram-se culpas para um lado e outro, uma porque queria ter descido pelas escadas, que até está gorda, outro porque sim está gorda, mas por ele teriam ficado em casa, devido à trovoada. Acalmar-se-iam os ânimos, em princípio, fosse retomada a descensão iniciada mas, aparentemente, nem o retorno da corrente impeliu o elevador a regressar à sua actividade. E enquanto o clima aquece, não com os corpos mas com as palavras e os perdigotos múltiplos com que se vão mutuamente borrifando, eis que surge uma estalada, indistinguível a sua origem na escuridão, mas bem audível o grito feminino. Move-se então o elevador, subitamente. A mulher agradece.

Lado B

Como aguentam os elevadores? Vendo entrar e sair homens e mulheres, vendo entrar que pessoas, que gente, que animais, anos e anos e anos, ininterruptamente, num pára-arranca, sobe-desce. Não se extenuam? Com todo o breu, a degradação e a depravação de que são involuntárias testemunhas, como se não esbate a sua eléctrica vivacidade? Porque não são, gradualmente, dilacerados com artroses de máquina, e tumores nos circuitos? Valerá a pena servir a escumalha e os seus corpos nus assentes em almas perfuradas, que como os balões perfurados tão rapidamente oscilam entre o voo alto e o nada?

Lado A

De tanto ver, o ascensor fechou as portas uma última vez. Desta feita, para sempre.

terça-feira, 20 de maio de 2008

As Desculpas

Pedem-se desculpas pela prolongada ausência devida a trabalho (uma heresia, pois claro).
Talvez esteja para sair um conto.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

In a flash, it all goes.
For good.

sábado, 10 de maio de 2008

Interésse

Nunca percebi as pessoas que dizem "interésse" em vez de "interesse" (refiro-me ao substantivo).

"Isso não tem interésse nenhum." Bah.


(Eu sei)

Os Jovens e a Política

Este texto, alinhavei-o para o concurso Cidades Criativas, após um pedido da organização para reagirmos às palavras preocupadas (relativamente à participação e interesse na política dos jovens) do Senhor Presidente da República no seu discurso aquando das comemorações do 25 de Abril de 1974 deste ano. Admito que os meus companheiros de grupo ainda não lhe deitaram o olho, o que não se faz. Mas enfim, o que não faz um humilde jovem pelos seus 7 leitores.



Os jovens. Esta frase (tão comummente usada por septuagenários irados com “estas novas gerações”) é tão plena de significado, tão abrangente e tão dada a discussões de índole social e cultural, que é necessária a devida parcimónia no seu uso – e sim, nem de predicado necessita. Os jovens têm vindo e continuarão a ser, durante largos anos, se a actual sociedade assim o permitir, o grupo etário/social simultaneamente mais criticado e mais desculpado.

- Jovens: culpados
Como explicação da crítica, citamos o Senhor Presidente da República, nas palavras que tão sabiamente proferiu no seu discurso, de que convém não só conhecer as linhas gerais mas proceder à leitura extensiva, que é por si só muito elucidativa:

“-os jovens estão menos expostos à informação política pelos meios convencionais de comunicação do que os restantes segmentos da população e mostram também mais baixos níveis de conhecimentos políticos;
(...)
- do ponto de vista do chamado «interesse pela política», os resultados demonstram, e cito textualmente o estudo, um «baixíssimo interesse dos inquiridos entre os 15 e os 17 anos»;
(...)
O estudo colocou aos inquiridos três perguntas muito simples: qual o número de Estados da União Europeia, quem foi o primeiro Presidente eleito após o 25 de Abril e se o Partido Socialista dispunha ou não de uma maioria absoluta no Parlamento. Pois, Senhores Deputados, metade dos jovens entre os 15 e os 19 anos e um terço dos jovens entre os 18 e os 29 anos não foi sequer capaz de responder correctamente a uma única das três perguntas colocadas.”

É certo que não há aqui uma crítica, apenas uma constatação de factos. Mas a crítica fazemo-la todos nós ao ouvir estas, chamemos-lhes, barbaridades (tão somente por custar ouvi-las). A mensagem é clara: a juventude, grosso modo, não demonstra interesse na política, ponto final.


- Jovens: desculpados
Naturalmente os jovens são irresponsáveis. São novos. Não viveram o 25 de Abril. Têm iPods, telemóveis e computadores. Os jovens isto, os jovens aquilo.
Os políticos não procuram chegar aos jovens, não comunicam directamente com eles. Não há iniciativas de aproximação a esta camada da sociedade. Os partidos, inclusive as juventudes democráticas, estão mais direccionadas para os filhos de quem aos partidos pertence, e não praticam esforços para localmente atraírem quem a elas pudesse aceder e contribuir. Os professores não ensinam política. Os pais não estão em casa. Os telejornais mostram os treinos do Benfica em vez das sessões do Parlamento. Os jornais são caros e desinteressantes e as revistas não falam de política.

Que podiam os jovens fazer, esses coitados?


- Aquilo que entendemos ser a verdade (ou parte dela)
Do que anteriormente se disse, apenas uma parte é verdade. Uma parte suficientemente significativa para se reflectir nela e insuficientemente grande para nos restringirmos à conclusão categórica de que as causas para o desinteresse são as apresentadas. Tentemos, ponto a ponto, reflectir em conjunto (quem isto lê e quem isto escreve).

Como de tenra idade e experiência que são, podem desculpar-se e libertar-se das suas responsabilidades para com a sociedade? Não, todos o sabemos. Não é pela sua juventude que se deixa de punir um criminoso de 15 anos. A expressão assaz odiada “de pequenino se torce o pepino” não pode deixar de fazer sentido num sistema social em que aos velhos se sucedem os novos, num ciclo ininterrupto (excepto em caso de extinção, naturalmente).

“Não viveram o 25 de Abril”. Pois não. Mas não viveram os descobrimentos e sabem que Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil e que em tempos fomos Grandes. (Talvez não saibam muito mais do que isto, mas saltemos essa parte.) Um dos problemas da maneira como o 25 de Abril é apresentado e comemorado é a sua repetição pouco imaginativa. Quase parece que, em ânsias de preservar a memória e a identidade e valorizar o esforço, o risco, e o sucesso (embora não num certo sentido, como disse o Senhor Presidente – e não se referia ao comunismo pós-revolução) do 25 de Abril, somos ano após ano bombardeados com as mesmas soirées do “Quis saber quem sou” e do “Grândola Vila Morena”, resumindo a revolução a meia dúzia de cravos, uma mão cheia de cantigas, e referências – extenuantes – à censura e opressão. Não é pelo cansaço que se conquista um público, qualquer que seja o ramo de publicidade – e é de publicidade que estamos a falar, embora de uma, digamos, “boa” publicidade, de valores, educativa e de melhoramento. Devíamos, cremos, repensar a maneira como queremos lembrar o 25 de Abril. Aí, ousamos dizê-lo, pode desculpar-se os jovens, já que não têm o contrabalanço da experimentação e vivência da data referida para equilibrar a memória.

Não esqueçamos também que quando falamos dos jovens de hoje, e lhes apontamos o dedo, se o fizéssemos há vinte e cinco anos, estaríamos muito pior. “Por causa do Estado Novo”, dir-nos-iam. Talvez. Mas ninguém nos tira isso: estaríamos pior.

Não é verdade que não haja iniciativas de aproximação por parte de quem está em cima. O nosso grupo tem, orgulhosamente, membros que participaram no “Parlamento dos Jovens”, criado pela Assembleia da República. A culpa nem sempre é da ausência de intenção, mas sim da ausência de divulgação e da quase nula existência de garantias relativamente a quão seriamente são levadas as opinião expressadas por nós (e este “nós” é apresentado quase corporativamente, por perigoso que seja).

O mundo é diferente, mais global, e as distracções aumentaram, os interesses mudaram. O que não mudou (e, porventura, aumentou até) foi a necessidade que temos uns dos outros, e de um sistema organizativo que nos permita conviver bem e de forma sustentável – falamos de relações sociais, que não só de ambiente vive a palavra “sustentável”. A política é, na sua essência, isso – o meio de encontro, discussão e regulação das vontades individuais (sim, individuais, por estranho que soe a referência umbilical tão proximamente colocada relativamente à actividade política).

Dotados de um “pessimismo que muitos dizem ser uma característica singular do povo português, desde tempos imemoriais” – palavras do Dr. Cavaco Silva – tendemos a ver os lados negativos de tudo e a culpar sempre terceiros. Está, diz-se, na nossa natureza. Que grande treta, é preciso afirmá-lo, o mais assertivamente possível. E repeti-lo: Que grande treta. Culpar o senhor professor – coitado, já tão atacado nos dias que correm – por não ensinar aos meninos que existe um BE e um CDS/PP? Culpar o(a) senhor(a) ministro(a) que não tomou as medidas para que se garantisse que nas escolas os meninos tivessem incontornavelmente acesso a uma formação política, nas aulas de História ou nas aulas de Formação Cívica? Culpar os senhores deputados, os senhores presidentes de câmara, os senhores com S grande? Em parte.
Mas não desculpemos os pais dos (e os) referidos meninos. O desinteresse é intolerável. Não é uma falha nos currículos – é uma falha nos valores. Isso de criticar as gerações que a seguir vêem já os Gregos o faziam. Convém é inovar e contornar, controlar, inverter, de modo a garantir que a mensagem foi passada, e que as pedras basilares da civilização, embora passíveis de evolução – sinais do passar dos tempos – têm de, impreterivelmente, ser sólidas e universais.

Procurem os Senhores, juntamente com a comunicação social, aproximar-se também de nós. A “distância ao poder” a que se referia o senhor Presidente da República é indiscutivelmente real e intolerável. Por exemplo, pensemos nos deputados, que são eleitos, não o esqueçamos – e esquecemos, quase sempre – em círculos distritais, ou seja, eleitos como representantes desses mesmos locais. Quanto lhes exigimos? Quantos nos dão em troca, pela eleição de representantes do povo? A política não devia ser uma interacção baseada em cruzinhas de boletins de um lado (ou de baixo, mais concretamente) e apertos de cinto e reformas duvidosas – ou simplesmente mal, ou não de todo, explicadas – do outro (ou de cima, mais propriamente). E procurem vir às escolas (e quem diz escolas diz aldeias e unidades fabris, jardins zoológicos até), descendo do vosso pedestal.

Não há necessidade de concretizar estas nossas conclusões a um nível estritamente (ou especialmente focado na dimensão) local, como nos foi pedido pelos organizadores deste concurso – a nível nacional o problema é o mesmo, as soluções são as mesmas.


- Conclusão
Não esqueçamos nunca (temos vindo a dizê-lo) que não podemos sempre esperar que chova para beber a água que do céu escorre. Às vezes temos de ser nós próprios a fazer danças da chuva, ou, mais eficaz ainda, trepar às nascentes ou correr para as margens dos rios, para saciar a sede, que não é mais, nesta tosca metáfora, que a necessidade que temos de viver em paz uns com os outros – e com as nossas consciências. O faça-você-mesmo não serve só para a bricolage.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Erro na etiqueta

Ela era como um ascensor, sempre a subir e a descer.

(ascensores em descida?)

domingo, 4 de maio de 2008

Sílabas

Sílabas.
O álcool de Dezembro é frio e rouco.
O cigarro amarga. É um cigarro clínico.
Sílabas.
Com sílabas se fazem versos.

O tampo da mesa é liso.
Uma colher é uma forma complexa
familiar e deliciosa.
Um copo é nítido como um criado sem servilismo.
Uma mulher condensa-se
no olhar do poeta.
Um corpo. Duas sílabas.
O dinheiro à justa. A gola da gabardina
para tapar a nuca
e os ouvidos.
Sílabas.


António Ramos Rosa

António

Não bastasse o entelectual, que tenho de visitar todos os dias, deu-lhe na cabeça criar O homem que era quinta-feira. Só para dar trabalho.


Parece que é de propósito.