António Lobo Antunes (com desmesurada justiça) termina o seu "Ontem não te vi em Babilónia", com algo de belo: "... porque aquilo que escrevo pode ler-se no escuro."
Não me podendo eu dar a luxos de tal ordem, devo uma explicação para o que em "Sobre a leitura" afirmei.
Embora, por ser feito da massa de que são feitos os homens, tenha inerentemente falhas de memória, momentos há em que a minha vontade mais íntima é a de delapidar, com estilete e martelo, parte do meu fémur esquerdo, e quiçá a tíbia. São esses momentos aqueles em que, por muitos folículos capilares que arranque, por mais que estique os lóbulos das orelhas até ao limite da dor, me é impossível recordar o fim de um livro que li.
Insatisfeito com a minha condição, pensei em procurar um psiquiatra.
Optei por outra via: a do chico-espertismo. Arrisco-me a dizer que não foi infrutífero o meu esforço. Passo a explicitar o teor das minhas conclusões (que são não mais do que uma tradução do primeiro "Sobre a leitura"):
Há partes de um livro que são constantemente revisitadas. Por cada vez que repegamos num tomo literário, para retomar uma sequência narrativa, necessariamente somos obrigados a esforçar o intelecto, para integrar o que de novo absorvemos no paradigma da obra, pelo que se é obrigado a revisitar o passado, o que está antes, o que se fez antes, quem viveu e quem morreu nesse 'antes' livresco. A manutenção dessa acção recordativa actua como catalisador de sinapses, garantindo que (qual pena cuja tinta é o sangue removido das costas da mão, ali marcando o que é escrito com crescente nitidez e definitude) a imagem se vá retendo, perdendo o seu quê de diáfano, encorpando e eternizando a sua substância.
Qual o momento menos vezes relido, repisado? Qual o momento em que "apenas uma vez pousei os olhos, num embate único e derradeiro, sôfrego e libertador -um ímpeto"?
É o fim, esse malfadado episódio que por não ser dupla, tripla, quadruplamente equacionado, corre o risco de, segundo o cliché, cair no esquecimento.
sábado, 20 de outubro de 2007
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2 comentários:
E depois a minha escrita é que é pretensiosa. Mealha, mealha, mealha, mealha, mealha, mealha, mealha
(o post esta do catracatano)
AVÔ I LOVE YOU
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