segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Sobre o Ensino de Poesia

Não ouso, já o disse, falar sobre Fernando Pessoa. Considero que fazê-lo é um pouco como pedir a uma clavícula de uma galinha para opinar sobre a história recente das bolsas de mercado - há dentes a mais à mistura para a humilde cartilagem galinácea.

O que ouso, e com particular irritação, é insurgir-me contra a maneira como sou obrigado a suportar (aplica-se o termo) F.P. nas aulas de Português para onde me tenho de arrastar bisemanalmente. Não que necessariamente se deva tal facto à respectiva ensinante - não o avalio. Deve-se, creio, ao tipo de abordagem (presumo que vinda lá de cima, de quem decide - ou Deus ou os ministros, não sei bem) que de modo sôfrego nos é impingida, à avaliação repisada verso a verso de expressões, cada uma delas porventura não mais do que expressões do que nelas está expresso (perdões pela repetição).

A poesia tem a vantagem (tossidela) de poder ser profundamente conotativa, e portanto obtida a partir de uma leitura de quem a escreve e de um número de outras, também elas intrínsecas a cada sujeito (o leitor), resultando num número, por esse motivo, potencialmente infinito de interpretações. Diria que a poesia assenta no aproveitamento das idiossincrasias individuais que, preenchendo os vácuos interpretativos deixados pelo poeta (entre o que quis escrever e o que escreveu), origina um sem-número de mensagens, ou, se preferirmos, uma mensagem com um sem-número de variantes.

Naturalmente, apenas daqui resulta que o estudo forçado de um poema - em que é atribuída a cada trio de 'esses' (a letra, não o pronome) glosados no mesmo verso uma aliteração, que com o seu sibilante resultado simula o arrastar dos comboios em carris de aço temperado, em dias de chuva, temperaturas moderadas e vento és-noroeste - é tudo menos (ensinar a) ler poesia.

Irrita-me.

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